POLÍTICA
Caminhos da paz na Colômbia
Convocados pelo presidente da
Colômbia, Juan Manuel Santos, para debater e apoiar a tentativa de lograr a paz
entre as Farc e o governo daquele país, Bill Clinton, Felipe González, Ricardo
Lagos, Tony Blair e eu nos juntamos em Cartagena nessa segunda-feira.
Pela primeira vez, depois de décadas de
lutas entre os guerrilheiros e as Forças Armadas, com todo o horror da guerra e
uma inédita relação entre guerrilheiros e narcotraficantes, após várias
tentativas fracassadas para encerrar o conflito e criar condições para a
pacificação do país, há sinais firmes de que, finalmente, houve progressos na
direção da paz.
As mesas de negociação, estabelecidas em
Havana com o apoio do governo cubano, já acordaram três dos cinco pontos em
discussão, entre eles o da reparação das vítimas e a forma de punição dos
culpados.
Embora ainda seja cedo para dizer que
existe paz à vista, chegou a hora de os líderes e organizações internacionais
emprestarem seu apoio ao processo em curso, mesmo antes do cessar-fogo.
O governo da Colômbia se opõe a paralisar
as operações militares sem que as demais questões postas na mesa de negociações
estejam resolvidas. Quer evitar o que ocorreu na época do presidente Pastrana,
quando uma “zona de paz” consagrada no meio do país serviu de base para que as
Farc se reforçassem militarmente.
Firmamos um documento apoiando os esforços
em andamento, ressaltando, ao final, que queremos uma paz com justiça,
assegurando às vítimas do conflito a satisfação possível de seus direitos. Isso
não deve impedir que a Colômbia encontre caminhos de paz e reconciliação.
No decorrer da discussão, ficou claro que,
em outros processos semelhantes, resolver a questão dos direitos das vítimas
foi essencial para criar um clima favorável à aceitação da chamada “justiça de
transição”, a única possível para encerrar situações de conflito que perduraram
por décadas.
A natureza excepcional dessas situações
torna difícil individualizar responsabilidades e punições em toda a longa série
de crimes cometidos. De um lado, a anistia é uma necessidade para pôr fim ao
conflito; de outro, o perdão legal não pode ser um ato que cooneste graves
violações dos direitos humanos.
É um equilíbrio difícil de estabelecer.
Cada qual dos presentes tinha sua contribuição a dar na matéria, pela
experiência vivida: Felipe González, pelo trato com a questão do ETA na
Espanha; Bill Clinton, pelo empenho e pelas inúmeras dificuldades encontradas
nas negociações de paz entre Israel e Palestina; eu próprio, pela mediação do
Brasil no acordo de paz entre Equador e Peru; e, certamente, Tony Blair, pelo
papel que desempenhou no acordo de paz que pôs fim ao conflito entre católicos
e protestantes na Irlanda do Norte.
Em todos esses casos, em maior ou menor
grau, não se trata apenas de assegurar reparações a refugiados, deslocados,
famílias de pessoas assassinadas e desaparecidas etc. É preciso lidar com um
drama coletivo autenticamente humano, que não desaparece com as leis de anistia
e as reparações às vítimas e suas famílias.
A justiça possível é o primeiro passo para
a reconstrução da convivência nacional pacífica em torno de valores
verdadeiramente democráticos e generosos, o que exige arrependimento,
reconciliação e boa vontade.
Na segunda parte do encontro, tratamos de
reavaliar as melhores práticas para, havendo paz, assegurá-la por meio de
políticas que melhorem as condições de vida da maioria da população.
Nenhum dos líderes presentes acredita que
basta aumentar o PIB. Essa condição é necessária, mas não suficiente.
A participação cidadã; o domínio e a
disseminação das novas tecnologias de comunicação e informação; o livre
engajamento nas redes sociais, como espaços públicos de elaboração e expressão
do pensamento e dos sentimentos da sociedade; e a necessidade de uma democracia
aberta à oitiva dos anseios das pessoas são tão importantes quanto um bom
desempenho econômico para assegurar vida longa à paz.
Nenhum de nós crê tampouco que a melhoria
das condições de vida da população na Colômbia, assim como em outros países,
decida-se na disputa ideológica entre “privatizar” ou “estatizar”.
A decisão a respeito deve se dar o mais
possível a partir do debate público sobre quais bens e serviços devem ser
oferecidos diretamente pelo Estado, eventualmente de forma gratuita, ou pelo
setor privado, levando em consideração as implicações dessas escolhas não só
para o tamanho do Estado e da carga tributária, mas também para a qualidade da
gestão estatal e da regulação pública.
A regulação pública de qualidade — o oposto
do controle discricionário e caprichoso do Estado sobre os agentes privados — é
uma das chaves para a prosperidade social e econômica no mundo atual para todos
os países que, como a Colômbia, já ultrapassaram um certo umbral de
desenvolvimento.
Passamos em revista as políticas que
permitiram avanços sociais importantes na América Latina nos últimos 20 anos.
Clinton lembrou o efeito positivo dos programas de transferência direta de
renda que o Brasil implantou a partir do Plano Real.
Eu ressaltei a importância da estabilidade
econômica para os avanços sociais. Em sentido amplo, uma vez que o Plano Real
não foi apenas um programa tecnocrático de derrubada da inflação, mas um
processo de fortalecimento da capacidade dos indivíduos e da sociedade para
planejar e realizar as suas escolhas.
Lagos insistiu na centralidade das questões
distributivas, registrando que a região continua marcada pela desigualdade,
apesar da estabilidade e da redução da pobreza.
Felipe González acrescentou ser importante
cuidar da distribuição dos resultados da expansão econômica, diferenciando-a da
distribuição do estoque de riqueza acumulada, quando socialmente produtiva,
pois os países, em especial aqueles em desenvolvimento, necessitam de mais
frutos mais bem repartidos, e não de árvores derrubadas.
Muitas esperanças compartidas. E confiança
também. Apesar de uma guerra interna de mais de 40 anos, a Colômbia manteve a
democracia ao longo de todo este período e, há vários anos, vem crescendo a
cerca de 4% ao ano, com inflação baixa.
A paz ampliará os horizontes do seu
desenvolvimento e fortalecerá ainda mais a legitimidade de sua democracia, com
grande benefício para toda a região. Por isso, merece todo o nosso apoio.
Fernando Henrique Cardoso é ex-presidente da República.
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